sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre minha avó ("Dodoinha",como eu a chamava)

Meu irmão me pediu para completar uma "lista" de recordações que ele começou,fruto de acontecimentos engraçados,nostálgicos ou curiosos que fizeram (ou ainda fazem)

parte de nossas vidas.Também tenho muitas coisas boas e/ou engraçadas para lembrar,algumas comuns a mim e a voce,meu irmão.Outras,fruto de minha vivência

individual.Mas,peço a voce para esperar mais um pouco,pois hoje me deu vontade de falar sobre um tema só:nossa avó paterna,dona Ursulina,como era chamada por todos e

"Dodoinha",como era carinhosamente chamada por nós,seus netos.
Nesse momento,quero me prender somente a ela,que é ,sem dúvida,a minha maior saudade hoje.Essa mulher simples,inteligente e amorosa,cujo amor e desvelo por nós,seus

netos, e por todas as coisas vivas me fez conhecer muito cedo alguns valores que carrego comigo até hoje.
Na época,eu era muito menina e não conhecia ainda o real sentido da palavra "SOLIDARIEDADE",mas na prática (hoje eu tenho essa consciência) assisti,ao vivo e em cores

às mais lindas lições de amor ao próximo e desapego material.Minha avó seguia à risca o "PEDI E RECEBEREIS"e, esqueçendo que não era o CRISTO,jamais negou ajuda a

nenhum dos necessitados que a procuravam.Doava remédios,alimentos,roupas,dinheiro,enfim,o que estivesse ao alcançe de sua mão e pudesse saciar alguma necessidade

alheia.Na pequena fazenda em que morava com meu avô,não faltavam "visitas" à hora do almoço.Eram os sertanejos humildes e/ou suas famílias que moravam nas redondezas e

vinham saciar sua fome em casa de meus avós.A mesa estava sempre cheia e mesmo depois da hora do almoço não faltava comida,nem boa vontade para atender aos

retardatários.Havia,infelizmente,em meio aos carentes,os aproveitadores,mas o coração de minha avó não conseguia fazer essa distinção e ela servia a todos com

simpatia e dedicação.Meu avô,mais racional,advertia:"Mulher,desse jeito voce vai acabar com tudo que nós temos".Palavras ao vento.Ela sempre tinha argumentos para se

contrapor:"Mas o coitado tá com fome,nós não podemos deixar que ele morra à míngua,meu velho..."E meu avô,mesmo contrariado,cedia.Afinal, a última palavra era sempre

dela mesmo...
Nas mercearias próximas,que lá eram chamadas "bodegas",aonde meu avô tinha crédito,era comum chegarem bilhetinhos de minha avó,autorizando o "bodegueiro" a entregar

gêneros alimentícios aos seus protegidos.Minha avó também era muito delicada e,apesar do pouco estudo,curiosamente,escrevia e se expressava muito bem.Então,esses

bilhetinhos ,geralmente,começavam mais ou menos assim:"Caro senhor Fulano-De-Tal,peço,por obséquio,que entregue a esta gentil e necessitada moçinha,essa listinha de

compras que escrevi abaixo.A pobre precisa muito,pois não tem o que comer em casa.Deus todo poderoso irá abençoar ao senhor e a sua família por essa caridade..."
E por aí ia.Até parece que quem ia pagar era o bodegueiro e não ela (aliás,o meu resignado avô.Rs!)
Nas farmácias,era a mesma coisa:quando alguém adoecia e não tinha dinheiro pra comprar remédios,ia logo pedir socorro a"D.Sulina",como alguns a chamavam.E haja

bilhetinho nas farmácias,de "entregue isso a esse rapaz,entregue aquilo a essa senhora..."
Detalhe:uma época,meu avô resolveu montar um mercadinho para venda de gêneros alimentícios,dentro da fazenda dele.Meu pai também também montou uma pequena farmácia.

Ambos faliram rapidinho.Adivinhem porque!Minha avó dava não somente o pacotinho de açucar ou de arroz,mas a saca inteira,se alguém precisasse.Remédio então...tava

sempre faltando pra vender na dita farmácia,porque ela doava quase tudo.
Enfim,a vontade de ajudar de minha avó não conhecia limites,não media consequências.E isso,infelizmente,gerou o lado ruim da história:Com o passar do tempo, as dívidas

se acumularam e meu avô precisou vender seus bens para pagá-las.Então,obviamente,chegou um tempo em que minha avó não tinha mais condições de fazer suas

caridades,materialmente falando.Faltava mesmo até pra eles próprios.Foi muito triste ver os dois, que sempre tiveram uma vida farta,não terem uma velhice

tranquila,como mereciam.Meu avô já não conseguia mais prover o próprio sustento (como ele previra)e viveu seus últimos anos graças ao apoio e ajuda da família.
Mas,apesar de ter dissipado todos os seus bens (e aqui,só o bom DEUS para julgar se certo ou errado) eu NUNCA ouvi minha avó dizer que se arrependia das suas

caridades.E o mais incrível:o que mais a afligia nesse tempo de dificuldades,não era a sua própria situação material,mas A IMPOSSIBILIDADE DE CONTINUAR AJUDANDO AS

PESSOAS NECESSITADAS,COMO SEMPRE FEZ.Isso,sim,era o que mais a entristecia.Ví muitas vezes seu rostinho alegre se anuviar ao ouvir o pedido ou uma queixa de algum

necessitado que ela não podia mais ajudar.Não poder suprir as necessidades de seus protegidos,isso sim,a entristecia profundamente.
É importante salientar que estou falando aqui apenas da caridade "material" que minha avó praticava,mas ela não era a única.Junto com o remédio para os males do

corpo,vinha também o alento para a alma do doente.Ela sempre tinha palavras de esperança e de apoio para aqueles que a procuravam.Estava sempre disposta a ouvir os

queixumes e lamentos de todos.Não foi pra menos que minha avó angariou uma verdadeira legião de amigos.Ah,isso nunca lhe faltou.
Foi também com ela que aprendi a amar os animais e todas as coisas vivas que Deus criou.Ela,como eu, não suportava maltratos a eles e quando sabia de algo dessa

natureza,logo chamava meu avó pra tomar satisfação.Eu sempre corria pra ela,quando via algum cavalo,ou boi ou qualquer outro bicho passando por algum sofrimento.Eu

pedia ajuda e ela "obrigava" (mesmo!) meu avô a tomar as providências necessárias.
E quanto à sua dedicação a nós,seus netos,bem aí é outra história que pretendo contar em outra oportunidade.Por enquanto,vou dizer apenas que a melhor parte da minha

infãncia,as melhores lembranças que tenho,e muito do que que sou,devo aos seus ensinamentos.vivi momentos maravilhosos em minha querida Armênia (nome da fazenda de

meus avós),viajei nas estórias que ela me contava,nas canções que cantava..ela coloria o mundo para nos mostrar.
Minha avó querida,quantas saudades...não sabe como lamento tanta coisa que poderia ter feito e não fiz,que poderia ter dito e não disse.Me perdoe por eu não ter

tido,naquele tempo,maturidade suficiente para entender e agradecer o tesouro que Deus colocou em minha vida.Acho que é assim que a vida nos ensina,não é?Vamos

aprendendo com nossos tropeços.E tentando melhorar...
Mas,SEI que ainda vamos nos encontrar um dia e aí eu vou poder lhe abraçar forte e dizer tudo aquilo que trago guardado em meu coração.
Ah,dá um grande abraço em DEUS por mim,porque a senhora só pode estar bem próxima dele...
Beijo e "bença".
Iris.(Irinha,como a senhora me chamava).

5 comentários:

Anônimo disse...

Que belo exemplo de vida, a de sua avó Irinha, gente rara (que graças a Deus) plantou uma sementinha no coração de cada um que conviveu com ela, por tanta riqueza de espírito. Adorei conhecer a história de uma pessoa tão afortunada de Deus!Essas pessoas são plenas em ser, não precisam de nada material não; e como você disse, hoje ela está bem pertinho de quem ela foi tão fiel...foi sábia, deu tudo aqui para estar hoje no melhor lugar, onde ela irá passar mais tempo!

Iris Pequeno disse...

Obigada,Gui.Sinto uma saudade imensa dela,apesar de já fazer tanto tempo que ela se foi.Às vezes,chego a conversar mentalmente com ela,de uma forma que não sei explicar.Quando estou triste,me aconselho com ela.E não me pergunte como,mas eu sinto que ela me escuta e me ajuda.
Obrigada pelo carinho,amiga!
Beijo e fica com Deus!!

Anônimo disse...

Irinha, segundo os espíritas, os espíritos conseguem saber quando tentamos nos conectar mentalmente com eles. Acredito sim que vc consiga se comunicar mentalmente com ela e ela a guie diante de suas aflições terrenas. Não estamos isolados dos espíritos como imaginam algumas pessoas, principalmente os que conviveram conosco. Afinal, não à toa que Deus os coloca tão próximos a nós.Bj e fique com Deus tb.

Jane Miranda disse...

Irinha, fiquei emocionada, que alma perfumada e generosa "tem" sua vó, me deu saudade da minha, que não tão generosa qto a sua, mas na sua amorosidade me embalava nos braços, nos meus sonhos, e que ficaram até hoje marcados em minha vida. Linda declaração de amor e reconhecimento a sua vó. Parabéns e um grande beijo!

Iris Pequeno disse...

Obrigada,Jane.Gostei do "tem",porque lembra que ninguém morre verdadeiramente.E o reencontro é certo.
Bjo!Fica com Deus!